A mídia e a justiça criminal

Por Fábio Trad (*)

Ao potencializar sensações e multiplicar exponencialmente a emoção subjacente aos fatos, a mídia esboça os contornos do senso comum.

A repercussão social de um crime, por exemplo, deflagra, em ritmo crescente de ondas, espasmos de uma dramaticidade que chega a anestesiar a consciência crítica de muitos. Neste contexto, garantias e princípios jus-políticos são subitamente esquecidos ou desprezados, abrindo caminhos para soluções primárias que nos remetem aos primórdios da vingança privada.

Preocupante a entonação cada vez mais grave de múltiplos segmentos da sociedade a ecoar os mais primitivos gestos de justiça retributiva.

A aldeia global pós-moderna que nos submete à condição de receptores da monocórdia vontade soberana da audiência midiática padroniza modelos de comportamento e uniformiza reações de milhões de pessoas. A este ingrediente, adicionam-se preconceitos culturais e juízos liminares dos vocalistas do ódio para completar a mistura de erro com ignorância com uma pitada de distorção conceitual que transforma qualquer discussão sobre o tema em uma autêntica conversa de bêbados.

Observem, como ilustração de exemplo, a natureza infame dos aplausos daqueles que vibraram quando o advogado de defesa do casal Nardoni foi agredido com socos e ponta-pés a caminho do julgamento. Esboço improvisado da barbárie, o que estarrece e preocupa não é tanto a agressão em si, condenável sob todos os aspectos, mas o conivente silêncio da mídia que acobertou o sentimento tácito de aprovação da maioria que, se pudesse agredir sem ser identificada, certamente o faria.

Não há receita pronta para se construir um país democrático, mas é certo que uma das eficazes formas de se deslegitimar uma democracia é a propagação de um sentimento de negligência ou contrariedade com a defesa.

Sociedade evoca conflito; conflito clama por julgamento; julgamento impõe imparcialidade; imparcialidade pede equilíbrio; equilíbrio é o vizinho da justiça; mas justiça sem defesa é justiçamento, donde se conclui que sociedade que desmerece o direito de defesa não é digna de ser chamada de democrática, pois reflete apenas um ajuntamento de pessoas sem pressupostos ou objetivos comuns.

A tarefa de legislar não se coaduna com a permissividade dos estados emotivos porque a lei não pode ser o eco do passado, mas a própria expressão dos valores que se quer cultivar no futuro.

Desta forma, a mídia precisa entender que a sua responsabilidade é tanto maior quanto se dimensiona o grau de sua influência na formação do senso comum. Nesta linha, o risco de se fazer coro ao alarido passional das massas é explosivo à medida em que potencializa instintos atávicos que podem, a médio e longo prazo, transformar o perfil da sociedade brasileira.

A responsabilidade social da mídia nos casos criminais precisa transcender a lógica imediata do lucro inerente a sua atividade comercial, radicando-se no compromisso de circunscrever a informação aos limites estabelecidos na Constituição Federal, pois sua influência é tão impactante que chega a ser decisiva nos próprios julgamentos.

A liberdade de expressão é direito constitucional. Também o são o devido processo legal, a presunção de inocência, a ampla defesa, o contraditório. Conjugá-los de forma a não solapar quaisquer deles é tarefa para uma sociedade madura, cônscia de sua responsabilidade política e essencialmente democrática.

Trabalhemos por isso!

(*) Fábio Trad é advogado e professor universitário – Foi Presidente da OAB-MS no triênio 2007-2009.

Fonte: C G News

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