Já houvera um tempo, há quase três
décadas atrás, que a maioria dos setores pertencentes à Secretaria da Segurança
Pública do Estado de Sergipe, trabalhava precariamente com equipamentos e
viaturas velhas, totalmente sucateados, embora tivesse uma boa mão de obra
pertinente com excelentes e dedicados profissionais. Dentro deste patamar
laborativo o Instituto Médico Legal não ficava para trás, tendo um único Rabecão
em péssimas condições de conservação para arrecadar os corpos oriundos de
mortes violentas em todo o Estado de Sergipe.
O velho e obsoleto Rabecão tinha como
seu ponto de problema central a “junta”, ou seja, era unânime todos afirmarem: “Junta
tudo e joga fora”.
Dentro deste conceito, a tranca da
porta do fundo daquele veículo também não funcionava a contento, estava com defeito
e quase sempre se abria quando dos tombos nas estradas esburacadas.
Certo dia, mais de perto, em uma
madrugada, quando a equipe retornava do interior do Estado após recolher um
andarilho morto na estrada vitima de homicídio, estando já próximo do IML em
Aracaju, mais de perto, na passagem de um canal de esgoto a céu aberto, havia
uma alta lombada em que os motoristas tinham que ser cautelosos para não
causarem acidentes, daí o condutor do Rabecão se esqueceu do fato, talvez até
pelo cansaço do trabalho exaustivo daquele dia, ou talvez pela pressa para
chegar à repartição a fim de tirar um breve descanso, passou pela tal lombada
na velocidade que vinha em uma cidade adormecida e sem transito algum. Quando o
pesado veículo bateu na lombada, subiu e desceu ao solo, a porta do fundo se
abriu e o defunto saiu voando com bacia e tudo mais para se estatelar nas
proximidades, oportunidade que o morto caiu de cabeça na quina de um meio-fio
vindo a sofrer um forte traumatismo craniano encefálico, espalhando até partes
dos seus miolos pelo chão e, para piorar ainda mais a situação rolou para
dentro do fétido esgoto, defunto esse que se vivo estivesse fatalmente teria
morrido.
Foi aquela confusão dos diabos com os
funcionários desorientados com aquela situação cômica se não fosse trágica que por
sorte não juntou gente, pois além de tudo dava uma leve garoa de chuva fina e
gelada nessa madrugada em que eu estava como Delegado de Plantão de Aracaju.
Logo os maqueiros e perito que estavam no Rabecão decidiram recolher novamente
o defunto e, após o exame cadavérico já no Instituto Médico Legal resolveram
abafar o caso sem o conhecimento da imprensa.
E assim, o defunto que morreu duas
vezes, uma por homicídio proveniente de arma branca e outra proveniente de
acidente de trânsito, foi enterrado como indigente sem ser identificado nem
tampouco reclamado por alguém por ser um andarilho sem qualquer familiar ou
documento de identificação.
Autor: Archimedes Marques (Delegado de
Policia no Estado de Sergipe. Pós-Graduado em Gestão Estratégica de Segurança
Pública pela Universidade Federal de Sergipe) archimedes-marques@bol.com.br
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